É noite. Estou sozinha e sinto-me estranha, não por falta de uma boa companhia, que o sou para mim mesma, mas por algum outro motivo que não identifico. É tudo tão… estranho. O cão está irrequieto. Percorre as dependencias da casa, ladra sem motivo, vem espreitar-me, afasta-se um pouco, descoroçoado. Já por duas vezes foi até ao terraço e uivou. Eu gosto do som, lembra-me os lobos, mas não gosto que ele se sinta triste.
Agora apareceu-me aqui com uma maçã. Está a roê-la e a mirar-me com ar de desafio mas eu não me importo que ele roube uma maçã. Acho-lhe graça e sorrio. Ele conhece muito bem a expressão, evidentemente, e parece contrariado por eu não ter ficado aborrecida. Faço-lhe uma festa rápida nas orelhas macias, digo-lhe umas palavras meigas. Ele abandonou a maçã e retomou as corridas irrequietas pela casa.
Estou a escrever na penumbra, há apenas o pequeno candeeiro de abat-jour cinzento.
Atrás de mim, literalmente – pois começa nos calcanhares, passa nos ombros, na nuca e sobe até ao alto da minha cabeça -, é como se estivesse sol, um sol luminoso, mas se me volto, vejo o que é suposto que lá esteja… e a penúmbra. Assim que me endireito, para a luz fraca que escolhi para iluminar o meu serão de escrita e leitura, volta a sensação de que atrás de mim há uma vastidão de luz que começa, ou termina, nos meus calcanhares e se estende para cima e para longe, por detrás de mim. Como se a casa se tivesse partido e eu aqui restasse de costas para a zona de rompimento, a quebra.
O cão ganiu baixinho. Eu voltei a sorrir.
Será que devia atirar-lhe uma coisa qualquer, brincar com ele ao busca, tentar entrar na luz imensa com a ajuda desta criatura de Deus, tão pura?
Agnes Rubra